quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Apiaká - Histórico do Contato

Histórico do contato

Desde o século XVIII foram produzidos textos que expressam a perspectiva dos viajantes, missionários e colonizadores a respeito do encontro com os povos indígenas na bacia do Tapajós, os quais nos permitem, todavia, entrever o contexto em que se deu esse encontro, fornecendo assim importantes elementos por meio dos quais podemos compreender a ação histórica apiaká.




A área entre os rios Madeira e Tapajós caracteriza-se por uma alta densidade demográfica indígena desde o século XVII, sendo habitada por numerosos povos falantes de línguas Tupi e alguns povos de línguas Macro-Jê altamente móveis, que constituíam uma rede de relações intrincada por meio das guerras e das trocas (Menéndez, 1981/82 e 1992). É possível que tais povos não formassem unidades sociais discretas e duradouras, com aldeias compondo um conjunto informe de grupos locais circunvizinhos que não estava sujeito a uma autoridade comum nem tinha fronteiras rígidas, a exemplo dos Tupinambá quinhentistas (Fausto, 1992).
Os primeiros exploradores do vale do Tapajós registraram o predomínio dos Tupinambá e Tapajós, povos expansionistas e guerreiros, que praticavam o comércio intertribal e a escravização e vassalagem de grupos menores, mas que sucumbiram em pouco tempo ao contato com o não-índio, deixando de ser mencionados pelos cronistas após 1690. Ocorre que “o espaço deixado por esses dois grupos passa a ser rapidamente ocupado por aqueles que se achavam sujeitados ou escravizados e registra-se o surgimento de novos agrupamentos”, sendo que os Mura, os Sateré-Mawé e os Munduruku “parecem ter constituído por longo tempo uma espécie de escudo protetor” para os povos que ocupavam posição mais interiorana na área Tapajós-Madeira (Menéndez, 1992 e 1989).
No século XVIII, as informações sobre aqueles vários povos não-hegemônicos, produzidas por religiosos, funcionários do governo e viajantes, tratavam sobretudo de fixar nomes e localizações, contribuindo para formar uma imagem estática e fragmentada de uma região caracterizada pela movimentação intensa e por unidades sociais frouxamente articuladas. Os Apiaká constituíam um daqueles povos não-hegemônicos mais interioranos; a extensão de seu território era determinada pela empresa guerreira e pela coleta de pedras para seus machados e taquaras para fabricar flechas. Percorriam então vastas extensões no encalço de seus inimigos tradicionais, os Matanawi, os Tapayuna, os Munduruku e os Nambikwara, demonstrando grande capacidade de mobilização para a guerra.
As célebres tatuagens faciais, marca distintiva do povo Apiaká, retratadas por Hercules Florence no âmbito da expedição chefiada pelo barão de Langsdorff, atestavam as “proezas e valentias nos combates com inimigos”, bem como a participação nos ritos antropofágicos decorrentes das guerras (Castelnau, 2000; Guimarães, 1865; Nimuendaju, 1963) Ao final do século XVIII, ter-se-ia iniciado um movimento de expansão territorial apiaká, que provocou um rearranjo geopolítico na região do médio e baixo Arinos (Menéndez, 1981).
A informação mais antiga de que se tem notícia sobre os Apiaká data de 1746 e é de autoria de João de Souza Azevedo, o qual, por ocasião da primeira navegação oficial do rio Tapajós a partir de Mato Grosso, menciona um “reino dos Apiacás” no baixo Arinos (apud Fonseca, 1880). Naquele ano haviam sido descobertas jazidas de diamante na província de Mato Grosso; a notícia mobilizou inúmeras “entradas” e “bandeiras” que partiam de São Paulo. A região das cabeceiras do rio Arinos ganhou destaque dois anos depois, em 1748, quando se descobriram aí minas de ouro e diamantes, dentre as quais as célebres minas de Santa Isabel. O tenente-coronel Ricardo Franco de Almeida Serra relatou, com pesar, que a hostilidade dos Apiaká fora um dos fatores determinantes do declínio daquelas minas (Almeida Serra, 1797).
Na primeira metade do século XIX, o cônego jesuíta José Guimarães (1865) e o viajante Francis de Castelnau (2000) escreveram informações detalhadas sobre o modo de vida dos Apiaká. O primeiro passou alguns dias em companhia de uma comitiva que viajara até Cuiabá para se apresentar ao governador; o segundo conheceu alguns Apiaká em Diamantino. Ambos ressaltaram que os Apiaká mantinham relações amistosas com os brasileiros, conquanto travassem guerras com povos indígenas vizinhos.
As guerras de vingança, a captura de cabeças de inimigos e os ritos antropofágicos configuravam uma matriz cultural Tupi na região dos formadores do Tapajós. Tais práticas, que tanto aguçavam a curiosidade dos europeus, provavelmente foram abandonadas na segunda metade do século XIX. Nesta época, os povos indígenas no norte da Província, estabelecidos ao longo do sistema fluvial Arinos-Juruena-Tapajós, tornaram-se importantes para os governos de Mato Grosso e do Pará (o rio São Manoel, mais tarde batizado de Teles Pires, só seria explorado no século XX), uma vez que ocupavam uma região que abrigava muitas riquezas naturais, alvo do interesse de particulares paulistas e dos governos provinciais de Mato Grosso e Pará. Surgiu então a necessidade de estabelecer alianças com os indígenas que se mostrassem dispostos.
No final do século XIX, após a consolidação da rota comercial entre Cuiabá e Belém, entretanto, surgiu um novo problema para o poder centralizado: a necessidade de povoar e organizar a extração de riqueza de uma região considerada longínqua e inóspita. Os indígenas já haviam dado provas de que não se tornariam os trabalhadores mais produtivos; cogitava-se então trazer para a Amazônia europeus empobrecidos para realizar atividades agrícolas e extrativistas. Naquele momento, os Apiaká deixaram de ser tratados como aliados úteis ao Império e passaram a ser tratados como obstáculo à expansão capitalista e ao “desenvolvimento” da nação.
Foi neste contexto, agravado por disputas territoriais e fiscais entre dois estados (Mato Grosso e Pará), que os Apiaká começaram a ser perseguidos sistematicamente por funcionários do governo. Na perspectiva indígena, a virada para o século XX corresponde ao momento em que os Apiaká abandonaram definitivamente as guerras de vingança e passaram a ter necessidade de objetos industrializados, com exceção de uma parcela do grupo que retornou para a mata, recusando o estilo de vida dos não-índios (e que estaria até hoje vivendo na região do Pontal).
A narrativa apiaká sobre a origem do modo de vida contemporâneo concentra-se nas figuras de Paulo Corrêa, patrão poderoso, e sua esposa, uma índia Apiaká que desprezou os próprios parentes. Paulo Corrêa cometeu tantos desmandos na região da Barra de São Manoel que um de seus homens de confiança o assassinou e entregou sua cabeça para os Apiaká, dizendo: “Aqui a cabeça do seu cunhado; ele matava um monte de parente de vocês, agora vocês levam para a aldeia de vocês”. Os Apiaká então viajaram com a cabeça até a aldeia Apiakatuba (às margens do rio São Tomé, afluente oriental do Juruena) e fizeram uma bela festa – a última desse tipo. Os Apiaká explicam que Paulo Corrêa era um cunhado que agiu como onça: ao invés de se comportar como parente, respeitando e partilhando objetos e comida com os seus, “virou bicho” e chegou ao extremo de matar os seus.
Depois dessa “guerra” na Barra, os Apiaká foram vítimas de epidemias e se dispersaram espacialmente, levados por patrões para explorar os seringais nativos, dispostos de modo esparso no território; outros se internaram na mata, na região do rio São Tomé. Na primeira metade do século XX, os Apiaká que aceitaram o contato com os não-índios se casaram com Munduruku, Kaiabi, Kokama e Sateré-Mawé e com migrantes nordestinos, chamados de arigós ou “soldados da borracha”; abandonaram as aldeias às margens de rios menores e passaram a viver próximo à Missão Franciscana do Cururu (PA) e em “colocações” de seringueiros no baixo curso dos rios Juruena e Teles Pires.
Nos anos 1960, seções de famílias extensas apiaká que ainda trabalhavam na extração de látex no baixo curso do rio Juruena mudaram-se, a convite do missionário jesuíta João Dornstauder, da Missão Anchieta, para a aldeia Tatuí, destinada aos Kaiabi, no Rio dos Peixes (afluente oriental do Arinos). Nos anos 1970, esses Apiaká estabeleceram contato com os parentes que moravam na região do rio Cururu, muitos dos quais se mudaram posteriormente para o rio dos Peixes, trazendo em sua companhia alguns Munduruku, que se tornaram seus cônjuges. Desde então os Apiaká vêm se reestruturando politicamente e lutando para ter respeitados os direitos que a nova legislação indigenista lhes garante.
Embora os Apiaká tenham escolhido a via da diplomacia para se relacionar com os não-índios, é digno de nota que a necessidade de inimigos permanece viva, exprimindo-se, notadamente, na relação de hostilidade mantida com os Kaiabi. Pode-se dizer, ademais, que as rivalidades do passado respondem pelo fato de os Apiaká não terem sido plenamente incorporados pelos Munduruku ou pelos Kaiabi. Como vimos, quando foram viver ao lado dos Kaiabi, os Apiaká não se casaram com pessoas desta etnia, preferindo “importar” cônjuges Munduruku da Missão Cururu, nem tampouco adotaram a língua Kaiabi. De outro modo, os Apiaká casados com Munduruku, vivendo em aldeias Munduruku e falando este idioma, geralmente são apontados pelos Munduruku como Apiaká, ainda que sua relação seja amistosa.
Não há, pois, como compreender a situação atual dos Apiaká sem considerar sua inserção na rede social regional constituída antes da chegada dos colonizadores e mantida até hoje por meio de trocas comerciais, apoio político, relações matrimoniais e guerras. Tal rede, que sem dúvida se alterou ao longo dos séculos e parece ter possibilitado a sobrevivência dos Apiaká, apresenta-se hoje como uma trama de relações políticas, comerciais e matrimoniais instáveis e tensas. Significativamente, hoje os Apiaká atuam como pivôs dessa rede, articulando os Kaiabi e os Munduruku na interação com os não-índios e suas instituições. A grande continuidade parece residir, pois, na necessidade da troca com o exterior para a reprodução dos Apiaká como coletividade, um tema recorrente nas pesquisas mais recentes sobre povos Tupi.
Pensar no futuro é ter conhecimento do passado e agir no presente. É incentivar o desenvolvimento, colocando sempre o conhecimento em primeiro lugar. Em fazer a leitura deste texto, eu Leandro Escobar de Oliveira, fiz para você leitor e pensando em ti, para que o benefício desta iniciativa de ter o conhecimento seja todo seu, guardando em sua memória, hoje e nos próximos anos de vida. LEO.

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